Em tempos polarizados é importante intensificar o processo de integração dos polos.
A polaridade acontece quando a visão dualista acredita que um lado existe sem o outro e por isso insiste na tentativa de eliminar um lado em detrimento do outro.
A dualidade cria a ilusão de separatividade, “eu ou outro”, “bem ou mal”, como se cada parte existisse sem a relação com o seu oposto (complementar).
Acontece que rigorosamente não é possível existir uma polaridade independente da outra, pois para existir o “bem” é necessário existir o “mal”, um é referência do outro.
Além de que o “bem” para um pode ser o “mal” para o outro.
Toda dualidade é relativa, e fazer da dualidade um absoluto é gerar um regime totalitarista, e a história já nos mostrou que o totalitarismo de direita ou de esquerda (outra dualidade inseparável) tem um custo bem alto para o fluxo da vida.
Quanto mais lutamos pelo “bem”, ironicamente, mais alimentamos o “mal”, pois assim temos contra quem lutar, e mesmo sendo “do bem” nos tornamos “do mal” para alguém.
É uma questão de perspectiva, pois não existe um fato que seja absoluto, e sim perspectivas sustentáveis e insustentáveis de qualquer acontecimento.
Quando existe a perspectiva que o melhor é transformar as florestas em pastos, facilmente podemos perceber que essa é uma perspectiva insustentável independente do ponto de vista individual, pois a manifestação da floresta gera um movimento complexo que possibilita a vida de todas as espécies nesse planeta, inclusive a humana.
Parece fácil pensar desse modo, mas as crenças, os padrões e hábitos nos tornam ignorantes. Encontramos justificativas para as ações mais absurdas.
Por isso facilmente atuamos do mesmo modo dos nossos inimigos, apesar de termos justificativas diferentes, queremos o mesmo que o inimigo, que nossa perspectiva seja um fato absoluto para todos.
O problema não é a dualidade, pois ela faz parte da nossa experiência de vida, a questão é acreditar que na dualidade vamos encontrar o absoluto.
Quando integramos a dualidade, encontramos o paradoxo, onde é possível perceber a dependência relacional de todas as coisas, e encontramos um campo de criação para mudar em nós o que queremos de mudança no outro.
Em relações sustentáveis, o surgimento de diferenças gera campo de ampliação de perspectiva, aprofundamento nas pesquisas, mergulho em todos os campos – racional, emocional, intuitivo, instintivo, sensorial, espiritual - no caminho da potencialização da potência humana!
E para isso é preciso abertura, flexibilidade, integridade e muita intimidade e confiança na capacidade criativa e criadora da vida.
Como exemplo prático trago a dualidade onde de um lado temos a ideia totalitarista de algo que é bom para todas as pessoas e por outro lado a ideia democrática neoliberal onde os indivíduos existem independentes de uma rede e cada um pode fazer suas escolhas.
Nenhuma dessas duas ideias – totalitarismo e democracia neoliberal – nos permite viver em liberdade.
Liberdade limitada é uma perspectiva insustentável.
Liberdade não tem oposto, pois é a própria integração de todos os opostos.
Liberdade para ser liberdade é preciso que seja incondicional, então não está no campo das condicionalidades.
Não se conquista liberdade, é através da integração das dualidades que o campo incondicional se apresenta, e então somos atravessados pela liberdade.
Liberdade é princípio e não um fim a ser alcançado.
Uma pessoa na situação de dominado, dependente, submisso, sujeitado, subordinado, controlado, escravo, não se tornará livre invertendo o papel, tornando-se dominador, soberano, controlador, independente, proprietário.
Na dualidade não existe liberdade.
A liberdade só existe no campo paradoxal, e paradoxalmente isso é uma incondicionalidade e não uma condição.
O paradoxo é quando em vez de enxergarmos um OU outro, vemos, um E o outro, sendo assim, quando mudo algo em mim, mudo no outro também.
Mas isso não é um lugar de manipulação do outro. O que muda é a visão em relação ao outro, uma visão mais ampla que estabelece mais contato com o outro, maior campo de compreensão, logo, maior possibilidade de dissolução de conflitos.
Quem enxerga são os olhos e a percepção de quem vê, ampliando a percepção, amplia o que enxergamos, mesmo que o objeto não tenha sido modificado.
Mudamos e o mundo muda, mas isso não é uma solução, muito menos um fim.
Isso é um princípio onde podemos nos relacionar de outro modo.
Não é que tudo pode, nem que tudo serve, por exemplo, liberdade dualista não pode, nem serve, porque é uma perspectiva insustentável.
A ditadura de direita ou de esquerda não servem, porque são insustentáveis.
O totalitarismo não é sustentável para a vida, não estamos aqui para manter um sistema, para controlar, para garantir.
Somos seres vivos em relação e em metamorfose contínua.
Não precisamos voltar ao normal e nem aceitar um novo normal.
É preciso integrar as polaridades e entrar no campo criador da vida.